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31/10/2012

“A Artista do Corpo”, mais um intrigante livro de Don DeLillo

 
 
 

Quando o artista lança sua arte ao público, cada um a consome através de seus filtros “coadores”.  Cada qual a molda de acordo com sua história pessoal.  É esta a conclusão a qual cheguei apos a leitura de um excelente livro de Don De Lillo, “A artista do corpo”. O livro trata do luto de uma viúva cujo marido cometeu suicídio.

Na verdade trata da maneira com a qual ela se relaciona com o luto, e com a relação com o marido, através de um fantasma (ou será realidade?) de um homem aparentemente com alguma doença tipo Alzheimer’s  e que em certos momentos parece com seu marido.  E faz mais, através do luto a viúva se auto descobre e se re-descobre.

Como é característico de De Lillo, vc tem que prestar muita atenção a leitura e eu me peguei voltando às primeiras páginas várias vezes para saber se o que eu estava entendendo era o que o autor queria dizer.   Ele deixa as coisas “meio no ar” e vc tem que tirar suas próprias conclusões ou montar seu tabuleiro de xadrez para saber qual a intenção da história contada.  Será que o que eu acho que li é o que eu li? No meu entender, Rey, o marido suicida, já possuía alguma doença do esquecimento pois nos primeiros diálogos tenta lembrar de algo para dizer a Lauren e não consegue lembrar- também fala algumas coisas desconexas.

Mais pra frente no livro, o homem ou fantasma que Lauren encontra sentado de roupa de baixo num dos inúmeros quartos da casa alugada em que mora, também carrega esta linguagem reticente e na maioria das vezes incompreensível.   Em seu livro mais recente, “Homem em queda” DeLillo também aborda cuidadosamente  o esquecimento, Alzheimer’s e  o suicídio de pessoas próximas.

O livro fala muito de como nos relacionamos com o tempo e nestes trechos é realmente poético.  Aliás, todo o livro lida com o fantasma e a dor da morte de entes queridos com uma delicadeza única, como se estivesse manipulando um véu de noiva muito antigo que vai se desfazendo a medida que o tocamos.

Veja um trecho: “Alguma coisa está acontecendo.  Já aconteceu.  Vai acontecer.  Era nisso que ela acreditava.   Há uma história, no fluxo da consciência e possibilidade.  O futuro vem a ser. Mas não para ele. Ele não aprendeu a linguagem.  Tem de haver um ponto imaginário, um não lugar em que a linguagem cruza com nossas percepções do tempo e do espaço, e ele é um estranho nessa encruzilhada, sem palavras nem orientação. Mas ele sabia o que? Nada.  Este é o papel do tempo  Ele é a coisa sobre a qual você não sabe nada.” Para mim, em particular, o parágrafo acima lida com o tempo mas para mim também descreve o que pode estar acontecendo a uma pessoa que tem Alzheimer’s. Fiquei curiosa para saber a opinião de outros leitores e pesquisei um pouco na internet e acabei descobrindo até uma entrevista com Don De Lillo que nos abre uma fresta e mostra como ele próprio cria seus personagens, como vive e como pensa.   Link:  http://www.theparisreview.org/interviews/1887/the-art-of-fiction-no-135-don-delillo

Como as opiniões sobre este livro em particular são muito diversas, cheguei a conclusão que quando vejo muitas opiniões sobre alguma obra de arte: depois que o artista lança sua arte ao público, cada um a consome como lhe apetece.  Cada um a vê através de uma moldura formada por sua própria vivência- e a obra de arte (neste caso literatura) nos alimenta e nos satisfaz de acordo com nossa história pessoal. Don DeLillo, “A Artista do Corpo”, Companhia das Letras.